Ano passado foi a primeira edição do Home Movie Day durante o Curta 8. Nossa primeira sessão foi pequena, mas valiosa. Passamos um filme de família do Harry Luhm, que opera um telecine caseiro e já transformou milhares de filmes de família para DVD, o documentário provocativo “Maria das Graças do Espírito – Uma excepcional criança” filme trazido pelo Toninho (produtor executivo do festival) produzido por uma turma do Super 8 de Curitiba e filmes de família de participantes do festival.
Neste ano adotamos o nome em português – Dia do Filme Caseiro—e fiz uma chamada com mais antecedência para que os realizadores e participantes do festival trouxessem filmes para o evento. Marcos Sabóia da Cinemateca de Curitiba também abriu o acervo de Super 8 da instituição para que eu pesquisasse e escolhesse alguns filminhos para passarmos durante a sessão, achei umas coisas maravilhosas.
Para minha grata surpresa várias pessoas trouxeram rolinhos em Super 8. Dos filmes inscritos montei uma sessão com doze filmes divididos em três partes: Filmes de Família, Filmes de Viagem e Filmes da Cinemateca de Curitiba. Durante a projeção, o microfone rodou e as pessoas comentaram e contaram histórias sobre os seus filmes. No Dia do Filme Caseiro do Curta 8 – 2011 figuraram os seguintes títulos:
Filmes de família
– Cenas da Piscina – 1978
A sessão começou animadíssima. Camila Battistetti, acompanhada da sua mãe, trouxe os filmes rodados pela sua avó Cilú que era uma verdadeira cineasta amadora apaixonada pelo Super 8. O filme, um excelentíssimo exemplar do gênero filmes de piscina (um dos meus favoritos), traz a família, incluindo crianças e adultos, saltando do trampolim numa verdadeira competição de saltos, ora acelerados, ora filmados em slow motion. As manobras arrancaram aplausos. Rodado em São Paulo.
– Cenas em família
Trazido por Cristian Borges, cenas da família em casa no interior de São Paulo. Filme rodado já nos anos 2000.
– Natal
O filminho foi escolhido da coleção familiar do Rafael Urban que trouxe o seu pai para a projeção. O filme foi uma surpresa engraçada. Como foi um dos únicos rolos que não vi em mesa enroladeira, escolhi pelo nome anotado no cassete: “Natal”. Contrariando as minhas expectativas de ver crianças abrindo presentes, as cenas traziam imagens de tanques de criação de camarão, provavelmente rodados na cidade de Natal. Como esses filmes caseiros misturam uma série de filmagens, eu fiquei rezando para que pelo menos uma pontinha trouxesse o Rafael abrindo um presente embaixo de um pinheiro cheio de bolas de Natal. Não foi o caso e a projeção foi salva pela narração e graça do Senhor Urban.
– Bodas de Ouro
Filme dos avós de Mariana Zarpellon que nunca tinha visto esse material e fez uma telecinagem caseira para mostrar para a família depois. Como o filme era mais longo, aproximadamente 15 minutos, foi projetado no final. Numa fazenda no interior do Paraná, missa, votos e depois churrasco e dança.
Filmes de viagem
– Isla de las Muñecas
Lucas Bonini rodou seu cartucho Super 8 durante uma viagem ao México e uma visita à Ilha das Bonecas, local em que Don Julian, um religioso que morou na ilha desabitada entre os anos 1950 até a sua morte em 2001, colecionava bonecas velhas e as espalhava pelas casas e árvores da ilha acreditando espantar o espírito de uma menina que havia morrido afogada no mesmo local. As imagens da ilha são assustadoras, informações e fotos numa matéria que pode ser conferidas aqui. Filmado já nos anos 2000.
– Suape
Rodado por Alexandre Figuerôa na década de 1970 na região de Suape, em Pernambuco, antes da construção do porto. Registro das praias e pescadores trabalhando antes da transformação na região.
– Chile e Atacama
Filme de Fábio Allon, produtor do Curta 8 e integrante da Processo Multiartes, com imagens da sua viagem com a namorada para o Chile. O genial é que, mesmo sendo rodado agora nos anos 2000, os gestos continuam os mesmo de sempre: o casal se reveza na câmera, as poses diante dos pontos turísticos como se fossem uma foto, os pulos e os acenos para a câmera. Fábio disse que pretende fazer um filminho desses sempre que viajar.
– Veneza
Filme dos pais de Chico Toledo rodado em Kodachrome nos canais e nas ruelas de Veneza. Típico filme de família/viagem com direito a imagem dos pais captada pelo filho pequeno (irmão mais velho do Chico). A projeção teve acompanhamento especialíssimo de Chico improvisando com alguns standards de jazz ao trompete. Data aproximada, começos dos anos 1980.
– “Dê Carona”
Filmete rodado pela mãe do Chico nos tempos em que estudava Comunicação na Universidade de Brasília, provavelmente no final da década de 1970. Campanha pró-carona, o filme começa na rodoviária de Brasília com as longas filas do ônibus para a Universidade. Um homem pede carona, um carro pára, ele desce na Ala Norte do Minhocão (nome do prédio central da UnB no qual a maioria dos cursos se concentra, projeto foi idealizado por Darcy Ribeiro). Termina com letras brancas escritas sobre uma transparência: “Dê carona”.
Filmes da Cinemateca de Curitiba
– “Jovens Bobocas”
Uma ode ao besteirol puro, duas jovens na praça fumando, rindo, fazendo bobagens. Policiais se aproximam. Letreiros feitos com folha de papel e caneta Bic. O filme foi rodado por Palito, superoitista da cidade. Tinha cara de final de anos 1970 ou começo dos anos 1980.
– Gilda
Gilda é uma figura tão famosa em Curitiba que até eu já tinha ouvido histórias sobre ele/ela. Fuçando os rolinhos na Cinemateca achei um com o seu nome escrito e minhas suspeitas se confirmaram. Gilda era um travesti, talvez não no sentido mais tradicional do termo, e andava pela XV (a famosa “Quinze”) pedindo trocado. Quem se recusasse levava um beijo na boca. O rolo traz as imagens de Gilda, com barba e batom vermelho, trabalhando e roubando os seus beijos. Yanko Del Pino fez o documentário “Beijo na boca maldita” sobre ela. O curta pode ser visto no site http://www.beijonabocamaldita.kit.net/ . O filme amador causou comoção, os curitibanos todos lembraram da Gilda.
– Banda Polaca
Quando eu me deparei com esse filminho com a Banda Polaca, bloco de carnaval que saiu nos anos 1970 e 1980, eu achei que conectaria perfeitamente com o filme da Gilda. Durante a sessão descobri que Gilda tirava o maior sarro do bloco e que se tornou até persona non grata sendo inclusive afastada do desfile. Um relato sobre o carnaval em Curitiba, a Banda Polaca e a Gilda pode ser encontrado aqui: http://www.josedomingos.com.br/2011/02/banda-polaca-e-folclorica-gilda-sucessos-no-carnaval/ . Durante a projeção também surgiu um assunto polêmico. Alguns curitibanos afirmam que a cidade tem o melhor carnaval do país, a conferir.
A sessão para mim foi emocionante, agradecimentos mil para todas as pessoas que trouxeram os seus filmes, para toda a equipe Curta 8 e, em especial, para o projecionista ultra paciente Lucas Vega e Marcos Sabóia da Cinemateca de Curitiba. Ano que vem tem mais.